Passos perdidos
o que coelho pode ensinar-nos?
Dou aulas. Há muitos anos. Menos do que faço é o muito que observo no fazer à minha volta.
Quando alguém dá aulas, prepara-se. Sabe o que diz. Estuda muitos anos para chegar a patamares onde a própria exigência do ensino reclama a preparação.
Quando estamos no Ensino dito Superior temos de dar provas. Fazer cursos, primeiro; mostrar aos outros o que aprendemos, depois. Escrever papéis científicos, ir a conferências, sofrer a dignidade de todos os escrutínios. Escutar os nossos pares e os nossos mestres e arranjar, nem sempre facilmente, humildade diante das críticas.
Os que levam a coisa a sério estudam todos os dias e trepam até a patamares que nem sempre são gloriosos e bem iluminados.
Se nos dedicamos, então, ao lado da investigação, a dureza aumenta. Não há recursos, ninguém percebe muito bem ao que vamos ou andamos, para que servimos ou para que serve o objeto do estudo. Se vem a crise económica somos os primeiros a ir à guilhotina, como proscritos ou inimigos políticos. Com a morte dos que estudam e investigam é um pouco a morte do País que se celebra.
É melhor regressar aos mercados ou apostar na solidez cultural de um sistema, onde só havendo aprendizagem pode haver conhecimento e só havendo conhecimento pode haver progresso?
Há dias uma comissão europeia olhava para o nosso ensino superior, dizia que tínhamos poucos mestres e mestrandos, poucos doutores e doutorandos, e muito idoso a dar aulas. E na investigação, só um punhado de resistentes – por comparação ao mundo dito desenvolvido somos uma mancha no chão do enorme laboratório da vida.
Apressaram-se alguns a propor reformas. E de repente, como se nada se tivesse passado, um dos políticos mais impreparados dos últimos anos da nossa história desastrosa, desses que ameaçando com uma mão estendida tirava a esperança a todos com a outra, aparece nas notícias como sendo, depois de justamente afastado da cena política, potencialmente um professor previsto a curto prazo para o Ensino Universitário.
Se nunca soube para si, como ensinará os outros? Se nunca fez as etapas de formação exigidas, como aparece à frente de alunos? Se foi um dos paradigmas mais absolutos da ignorância, o que vai ensinar? Derrota? Desânimo? Subserviência? Modéstia e mão estendida e não o orgulho de ser do mesmo País que o alimentou? Se nunca administrou bem a sua empresa e os apoios que teve, virá dar aulas de como enganar a economia e os fundos de apoio? Virá teorizar ultraliberalismo, roubo e fome, descrédito de pessoas e instituições, falta de pundonor pátrio e austeridade? Desumanidade? Falta de respeito pelos seus contemporâneos, dado cabo da vida dos mais velhos, exportando os valores dos mais novos, e fazendo distinções e compadrio com os intermédios? Ensinando talvez Justiça, com processos feitos na praça pública e tribunais a definhar por falta de crédito? Ou dará uma cadeira da história dos mitos, dessas que explicará como o seu partido atirou pela janela anos de apoios comunitários e, quando chegou ao poder criando o “papão” da bancarrota, deu tiros no pé e nos mais fracos (com a falácia da “austeridade expansionista”, isto é, da ideia de que uma forte retração orçamental produziria efeitos rápidos do lado da economia, levando a uma recuperação sustentada do crescimento do produto política desastrosa que levou a uma contração da economia e a um crescimento de desemprego muito superior ao estimado).
A única hipótese que admito é que a pessoa em causa venha para ensinar belcanto. Parece que é barítono e estudou algum canto lírico, embora os certificados de habilitações – os seus amigos que o digam, pois já os exibiram em proveito próprio – não sejam, aparentemente muito credíveis e aceites nas secretarias dignas desse nome.
Bom, como dizia alguém na fila do pedido de subsídio de desemprego, isto é só a gente a falar.
Alexandre Honrado
Historiador
Quando comecei a trabalhar e durante 37 anos exerci como administrativo, tive muitos que me ensinavam tanta matéria e com tanto empenho que eu ficava admirado com tanto saber.
Um dia presenciei uma forte discussão entre dois rivais na mesma categoria hierárquica e que se preparavam para concurso.
No calor da contenda surge uma frase de um deles, dizendo: “QUEM NADA SABE FAZER PASSA A VIDA A ENSINAR.
Esta ficou-me na memória.